PROBLEMA: Servidor em cargo efetivo em uma área é submetido à outra função.
SOLUÇÃO: Postular o recebimento das diferenças pecuniárias decorrentes de desvio de função.
Este é um dos temas que pode gerar mais controvérsia no Direito do Trabalho e, por isso, acaba gerando posicionamentos tão diferentes nos julgamentos. Antes de tudo, é preciso diferenciar desvio de função e acúmulo de função. Acúmulo de função ocorre quando um trabalhador exerce, além da sua função, atividades de um cargo diferente. Já o desvio de função ocorre quando o empregado é obrigado a exercer função distinta daquela para a qual foi contratado, afeta a outro cargo. Para sanar algumas dúvidas sobre o tema, reunimos cinco curiosidades que todo trabalhador e empregador devem saber sobre o acúmulo de função.
Servidor que trabalhar em desvio de função tem direito a indenização correspondente as diferenças salariais entre seu cargo e o cargo paradigma. É muito comum que servidores públicos exerçam atividades estranhas ao seu cargo. Muitas vezes, os servidores se deparam com a situação de terem de realizar tarefas de competência de servidores ocupantes de cargos "superiores", os quais tem remuneração mais elevada. O que muitos não sabem, é que laborar nessas condições lhes dá direito a receber indenização correspondente a diferença de remuneração entre um cargo e outro. Trata-se do que na linguagem do direito chamamos de desvio de função. O desvio de função acontece quando o titular de um cargo exerce funções de outro e difere do acúmulo de função, que acontece quando o titular de um cargo exerce a sua função e a de outro. A matéria foi debatida por muito tempo, pois alguns servidores ingressavam com ações judiciais requerendo a equiparação salarial e/ou o reenquadramento ao cargo paradigma. Ocorre que tais pedidos jamais poderiam ser concedidos, em razão da exigência de concurso para a investidura em cargos públicos e acesso às carreiras (art. 37, II da Constituição). No entanto, certo é que a Administração Pública não pode se valer das vedações constitucionais para fazer com que servidores exerçam determinadas funções sem a devida contraprestação. Entender a situação de maneira diversa acarretaria em vantagem indevida da Administração sobre o servidor. É por este motivo que o STJ chancelou, por meio da súmula 378, entendimento no sentido de que: "reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes". Assim, muito embora não possa o servidor em desvio incorporar a diferença remuneratória aos seus vencimentos, e tampouco possa ser reenquadrado ao cargo paradigma, tem ele direito a receber indenização correspondente a diferença de salários pelo período que laborou nessa situação. Nesse contexto, é preciso advertir que nem todo o período de desvio de função poderá ser indenizado. A relação entre servidor e Poder Público é uma relação de trato sucessivo, de forma que a ela se aplica o prazo prescricional de 5 anos do decreto 20.910/32.
É o caso, por exemplo, de circunstância em que, após pedido de exoneração de servidor especializado lotado em repartição pública prestadora de atividades essenciais, com quadro já reduzido, determinado funcionário é temporariamente designado para suprir as atribuições correspondentes ao cargo vago, diversas das relativas ao por ele ocupado, com a percepção da diferença remuneratória, se cabível for. Nessa hipótese, o exercício de outras atividades, com a devida motivação, ocorre de maneira excepcional e transitória, com o objetivo de assegurar a observância do princípio da continuidade do serviço público, não havendo, portanto, ilegalidade.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve, na última semana, decisão que obriga a União a indenizar um servidor da área administrativa da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que exercia funções de policial, somente pelo tempo em que desempenhou as atribuições indevidas. A 3ª Turma do TRF4 manteve o entendimento da Justiça Federal de Porto Alegre. O ex-funcionário do INAMPS, o extinto Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social, foi remanejado para o quadro funcional da PRF em 1991 no cargo de Artífice de Carpinteiro e Marcenaria - o qual não existe mais. Mas, segundo os autos, ele não trabalhava na parte administrativa, e sim na função de policial, coordenando chamadas via-rádio e atendendo a ocorrências. O servidor permaneceu na função até 2001, quando passou a realizar atividades administrativas em outro posto. Ele moveu a ação contra a União requerendo o pagamento da diferença entre o salário que recebia e o de um policial rodoviário. Depois de ser condenada ao pagamento das diferenças desde 1993, a Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou embargos contra a execução da sentença, que fixou indenização no valor de R$ 1 milhão. A Justiça Federal de Porto Alegre aceitou o pedido e fixou a indenização somente pelo período em que o homem esteve efetivamente exercendo funções de policial rodoviário. O servidor recorreu ao tribunal, que manteve a decisão, entendendo que ele deveria receber somente a indenização referente ao desvio de função. Conforme a desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, relatora do processo, "considerando que a sentença se baseou em circunstâncias ocorridas até o ano de 2000 para reconhecer o desvio de função, tenho que deve ser mantida a decisão de primeiro grau que determinou como termo final para o pagamento das diferenças devidas a data da alteração de lotação do servidor, ocorrida em 2001, onde restaram atribuídas funções de caráter administrativo. Se, após esse período, houve desvio de função, torna-se necessário o ajuizamento de ação própria". Para cada atribuição do trabalhador deve haver uma contraprestação correspondente e tanto as atividades como o salário devem constar no contrato de trabalho. Assim, as atribuições do empregado e seu salário devem estar de acordo com o cargo para o qual foi contratado. Portanto, se lhe forem designadas atividades distintas, que exijam outra qualificação técnica, estará caracterizado o desvio de função, ou se ainda houver acúmulo de funções, e o empregador deverá pagar um aumento salarial.
No processo judicial movido pelo departamento jurídico do Sindsaúde, ficou comprovado que o servidor R. E. S. vinculado à Secretaria de Estado da Saúde (SES) e cedido ao Município de Itumbiara-GO, está há mais de 20 anos em desvio de função. Aprovado para o cargo de auxiliar de radiologia, o trabalhador atuou desde a sua posse como técnico em salas de radiologia operando aparelhos de Raios-X. Porém, durante todo esse tempo, o servidor recebeu uma remuneração inferior, como se estivesse ocupando o cargo de auxiliar.
Na ação, o departamento jurídico destacou que "a autuação em sala de salas de radiologia, operando aparelhos de Raio-X é exclusiva do Técnico em Radiologia e demanda conhecimento técnico especifico do cargo de Técnico em Radiologia existente na Secretária de Estado de Saúde". Justificou ainda o Sindsaúde que "é princípio que rege a Administração Pública que nenhum servidor, que se ocupa de uma determinada tarefa, possa receber remuneração inferior a de outro servidor que se ocupa da mesma tarefa". Acatando a argumentação do Sindsaúde, o juiz Carlos Henrique Loução, da 2ª Vara Cível e Fazenda Pública Estadual da Comarca de Itumbiara-GO, decidiu condenar o Estado de Goiás a pagar ao servidor "a verba indenizatória relativa às diferenças salariais do quinquênio", diferenças "correspondentes à diferença entre a remuneração que foi recebida pelo autor, de auxiliar, e a do cargo de Técnico de Radiologia, com as devidas progressões por antiguidade na carreira a que faria jus, com o acréscimo de correção monetária a partir do respectivo vencimento e juros moratórios a partir da citação".
Sendo assim, a indenização englobará as remunerações dos últimos cinco anos, contados da data da propositura da ação. Ainda, por serem verbas que decorrem do efetivo exercício de função, deverão ser acrescidas eventuais diferenças oriundas de adicionais (insalubridade, periculosidade e outros), além de férias e gratificação natalina. Por exemplo: se o servidor recebe adicional de insalubridade de 20% e o vencimento básico de seu cargo é R$ 10.000, o adicional será de R$ 2.000,00; ao ter reconhecido o desvio de função a cargo estranho, cuja remuneração seja de R$ 20.000 e também demande o recebimento do adicional na razão de 20%, o servidor fará jus a R$ 4.000,00 a título de insalubridade. Como já haviam sido incluídos R$ 2.000,00 em seu contracheque, o servidor terá direito aos outros R$ 2.000,00 que não lhe foram pagos, perfazendo o total de R$ 4.000,00.Por fim, a indenização a que faz jus o servidor deve levar em consideração "os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se esquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado" (STJ - REsp: 1091539 AP 2008/0216186-9, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 26/11/2008, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: 20090330 --> DJe 30/03/2009).Desta forma, conforme entendimento pacífico do STJ o servidor público que laborar em desvio de função tem direito a: (I) indenização correspondente às diferenças remuneratórias do cargo que ocupa e o cargo paradigma, incluindo-se adicionais, férias e gratificação natalina; (II) desde que respeitado o prazo prescricional de 5 anos; (III) devendo o cálculo da indenização levar em conta os padrões em que gradativamente se enquadraria por força de progressão funcional.
O servidor que trabalhou em desvio de função faz jus à retribuição igual à diferença entre a remuneração de seu cargo e a do que se relaciona com as atividades por ele efetivamente exercidas, sob pena de locupletamento ilícito da Administração.
O dever de provar o desvio de função ou acúmulo de função é do empregado, segundo artigo 818 da CLT e artigo 333 do CPC. Isso quer dizer que, numa ação judicial, cabe ao funcionário comprovar que exerceu função distinta daquela para a qual foi contratado. Se o empregado presta serviços estranhos ao contrato juntamente com atividades inerentes à função efetiva, também deve provar os fatos por meio de provas e testemunhas perante o Juízo. Apenas tem direito à indenização o servidor que não receber contraprestação específica em razão das atribuições que lhe foram cometidas durante determinado período. É o caso, por exemplo, daquele que é designado para função de confiança, hipótese em que a Administração não se locupletará com a alteração das atividades funcionais, desde que não exista desvio ilegal em relação a essa própria função. Se o empregador exigir atividade que não esteja especificada no contrato de trabalho, mas for afeta, por sua natureza, ao cargo por ele ocupado, não caracteriza como desvio de função. O desvio de função acontece quando o empregado passa a exercer outra função, com maior responsabilidade e remuneração, mas permanece com os vencimentos inalterados. Por outro lado, para que se configure acúmulo de função é necessário que haja distinção entre a função inicial e a nova, e o exercício concomitante das duas. Geralmente isso ocorre quando algum funcionário da empresa é dispensado, e suas atividades são repassadas a um empregado que exerce outra função.
Constata-se, já à primeira vista, que o desvio de função, caso não se trate de situações emergenciais, transitórias e/ou especificamente remuneradas, viola o princípio da legalidade, pois implica em cometer a servidor público atribuições diversas das correspondentes ao cargo do qual ele é titular. Um dos fatores para esse lamentável fato é, sem dúvida alguma, o desvio ilegal de função. É suficiente, para comprovar a assertiva, imaginar o hipotético caso de servidor aprovado em cargo de nível médio que desempenha atribuições correspondentes a cargo de nível superior em relação ao qual candidatos aprovados em concurso vigente aguardam nomeação. Com efeito, para muitos gestores públicos será mais conveniente não efetuar nomeação para o cargo de nível superior enquanto houver servidor menos remunerado exercendo as atribuições daquele cargo, o que, aliás, talvez explique a cada vez mais comum existência de órgãos nos quais há considerável desproporção entre o número de cargos relacionados à atividade-meio e os correspondentes à atuação precípua do órgão.
Conforme expresso no artigo 468 da CLT, qualquer alteração no contrato de trabalho do empregado deve ser feita com o seu conhecimento, ou seja, o empregador não pode, unilateralmente, efetuar qualquer modificação prejudicial. Além disso, o empregado poderá solicitar seu desligamento por falta grave do empregador, quando este exigir serviços alheios ao contrato, conforme determina o artigo 483, alínea "a", da CLT.
ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: A João Neto Advocacia pleiteia junto a Justiça a diferença salarial de servidores decorrente de desvio de função. O servidor que exerce determinada exercício em cargo público e é transferido para outra atividade, diferente da originaria, merece receber o valor real da função exercida regularmente.
João Neto
Advogado
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FONTES:
trf4.jus.br
antcbrasil.org.br
chcadvocacia.adv.br
sindsaude.com.br
migalhas.uol.com.br