PROBLEMA: Modificação unilateral do contrato de telefonia e ausência de aviso prévio.
SOLUÇÃO: Consumidor deve ser avisado previamente das mudanças em contrato de telefonia, caso contrário deve ser indenizado.
"Modificação" é uma palavra que participa das hipóteses de dupla aparência (ou ambigüidade), se bem descrita por Doyen Cornu[2]: trata-se de um termo que, tanto na linguagem comum (coloquial), como na jurídica, pode, num determinado contexto, possuir um ou mais sentidos. Sem dúvida, ninguém pode contestar que o termo pertence principalmente à linguagem comum, tendo sido ulteriormente emprestado à linguagem jurídica, diferentemente de outras palavras que percorrem o curso inverso. Mas este estado de dependência com a linguagem coloquial não quer dizer que o Direito não considere a palavra "modificação" como uma titular de um verdadeiro sentido jurídico Deve-se ao professor Ghozi a realização do primeiro ensaio sobre o tema na sua admirável tese "a modificação da obrigação pela vontade as partes". Nós aplicaremos a sua definição de "modificação" no contrato e a definiremos como "a operação sobrevinda no curso da execução do contrato que, sem findá-lo, introduz uma alteração em quaisquer de seus elementos".
A proposição é suscetível de possuir dois sentidos fundamentalmente distintos. Pode-se dizer que existirá modificação unilateral quando a modificação afetar o compromisso de somente uma das partes. O unilateralismo, aqui, concerne ao objeto da modificação. Neste sentido, unilateralismo opõe-se ao sinalagmatismo.
A 1ª Turma Recursal do TJDFT manteve sentença do Juizado Cível do Núcleo Bandeirante que condenou a Tim Celular a indenizar consumidora que teve contrato entabulado com a ré descumprido de forma unilateral. A decisão foi unânime. A autora conta que celebrou contrato com a operadora de telefonia com previsão de uso ilimitado da internet móvel, com pacote de dados de 30 MB por dia e redução da velocidade após o uso da franquia, sem interrupção do serviço, cobranças adicionais e majoradas, redução da sua qualidade, o que não foi cumprido. Para melhor elucidação dos fatos, juntou aos autos as telas impressas do seu telefone em que, às 14h30, a ré afirma que já teria sido utilizado 80% do valor do pacote de internet e, imediatamente depois, às 14h29, informa que foi atingido o uso de 100% do aludido pacote ofertando novo plano para contratação. A ré, por sua vez, quedou inerte, impondo-se os efeitos da revelia. O juiz explica que o ônus da prova, nos casos de alegação de vício do serviço, é do consumidor, caso não seja este invertido, conforme dispõe o art. 6º, VIII do CDC. E prossegue: "É desnecessária a inversão do ônus da prova, a despeito da verossimilhança do que alegado pela autora, haja vista que o fato é notório, posto que amplamente noticiado pela mídia, que as operadoras de serviço de telefonia têm restringido o uso de dados via internet móvel como forma de compelir o consumidor a contratar plano de maior custo, ao invés de reduzir o valor do tráfego de dados, conforme contratualmente estabelecido". Assim, constatada a disparidade entre o serviço ofertado e o efetivamente disponibilizado, e, uma vez que o art. 51, XIII do CDC veda a alteração unilateral do que foi ajustado entre as partes, restou evidenciado que o serviço foi prestado com vício de qualidade. "O vício do serviço, além das hipóteses previstas no art. 20, II, do CDC, expressamente propicia a reparação de eventuais perdas e danos, aqui ocorridos em caráter da lesão à dignidade da consumidora por força da estratégica má-fé utilizada pela ré para forçar a contratação de serviço de maior custo", conclui o julgador. Diante disso, o magistrado condenou a ré a reverter a alteração unilateral do contrato entabulado, ou seja, viabilizar o uso ilimitado da internet móvel com pacote de dados de 30 MB por dia e redução da velocidade após o uso da franquia, sem interrupção do serviço, cobranças adicionais e majoradas, redução da sua qualidade, sob pena de multa mensal no valor de R$ 4 mil, acaso constatada e provada a suspensão do serviço, bem como pagar a quantia de R$ 6 mil à autora, a título de compensação pelo dano moral experimentado.
É este segundo sentido que será privilegiado. Nós entenderemos, portanto, a "modificação unilateral" como a introdução de uma alteração em qualquer dos elementos do contrato, no curso de sua execução, cuja origem deve-se somente a um dos contratantes. Nesse contexto é que se coloca a terceira questão: será ela possível? Poderá haver modificação unilateral do contrato? A resposta é, a priori, negativa. Não se pode modificar unilateralmente um contrato. Esta solução é uma aplicação lógica do artigo 1134 do Code Civil: a força obrigatória do contrato fundamenta-se na sua intangibilidade. É em função do respeito à sua força obrigatória que o contrato deixa de atender às fantasias de uma das partes que intenta modificar unilateralmente seu conteúdo.
Dito de outra maneira, a imutabilidade do contrato traz a segurança de que as suas modificações somente serão operadas de comum acordo. Assim, a sua força obrigatória constitui-se num poderoso entrave à modificação unilateral do contrato. Todavia, esse argumento não é suficiente, pois a força obrigatória não é um dogma infalível a habitar o espírito dos defensores da autonomia da vontade. Nesse ponto, pode ser que falte remontar ao que fundamenta a força obrigatória do contrato: nas fontes dos princípios, encontram-se as considerações morais, o respeito à palavra empenhada, mas também outras, mais técnicas, notadamente a idéia de que o contrato é um ato de previsão, para retomar a belíssima expressão de Hauriou. Nesta última perspectiva, a proibição de toda modificação unilateral é concebida facilmente, uma vez que, caso se autorize uma pessoa à modificar unilateralmente o contrato, trair-se-á, com isso, a previsão da outra. A intenção, entretanto, não pode ser também peremptória, donde coloca-se a questão: tal fundamento dado à força obrigatória dos contratos não permitirá, ao contrário, relativizar a negação do princípio de toda modificação unilateral do contrato? A situação, com efeito, se apresenta assim: um contratante quer modificar o contrato porque ele não representa mais as suas expectativas originais; o outro contratante não pode se ver obrigado a aceitar uma tal modificação do contrato, porque ela trairá suas previsões. Eis o impasse: caso não se permita a modificação, negar-se-á o fato de que o contrato se constitui num ato de previsão por uma parte; mas, caso seja autorizada a modificação, negar-se-á, por outro lado, o fato de que o contrato constitui-se num ato de previsão pela outra parte. Nesse contexto, o contrato parece em perigo, pois a sua própria essência está em discussão. Dentro desta perspectiva, não é impossível de se conceber uma modificação unilateral: trata-se, na verdade, de uma escolha de política jurídica.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu como abusiva a alteração do plano de telefone celular sem a autorização prévia do cliente. A decisão da Corte atendeu parcialmente um recurso impetrado por uma consumidora que passou pelo problema com a operadora de telefonia. Conforme o entendimento dos magistrados, as empresas não podem agregar serviços ao plano originalmente contratado pelo cliente, uma vez que a modificação do conteúdo violaria o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
No processo, a autora da ação solicitou a devolução do dobro do valor do serviço pago indevidamente, além da condenação da empresa por danos morais diante da mudança no plano contratado. A consumidora sustentou, nos autos, que a alteração sem o seu consentimento resultou no fornecimento de aplicativos e jogos eletrônicos que causaram aumentos da sua conta mensal de telefone. Anteriormente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) já havia decidido que a restituição em dobro, como solicitado pela cliente, deveria se limitar aos valores relativos aos aplicativos de jogos, uma vez que os demais serviços não teriam influenciado na mensalidade. O juízo ainda aplicou ao caso a prescrição trienal, relativo ao enriquecimento sem causa, considerando como prescrito em relação às faturas pagas antes do processo ser ajuizado. Pode-se estimar que é mais legítimo assegurar o respeito à essência do contrato em relação àquele que deseja a modificação do que relativamente àquele que a rejeita. E será esta a saída do impasse? A ótica dos valores poderá demonstrar que o Direito não necessita ser sistematicamente hostil à modificação unilateral. Convém constatar que o unilateralismo é susceptível de marcar diferentes etapas do processo de modificação e que, de acordo com o momento onde está situado, terá atritos mais ou menos fortes com a força obrigatória do contrato. O unilateralismo pode assim caracterizar tanto a iniciativa da modificação (I), como a decisão de modificar (II).
Relator do recurso no STJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino afirmou que, conforme preconiza o Código de Defesa do Consumidor, as alterações feitas unilateralmente pelo fornecedor que modifiquem o preço ou o conteúdo do contrato são consideradas irregulares. O magistrado destacou que a prática contratual adotada pela companhia telefônica foi abusiva ao tentar decidir qual seria o melhor plano para o consumidor. "É certo que a prática contratual adotada pela operadora de telefonia móvel é flagrantemente abusiva, na medida em que configura alteração unilateral e substancial do contrato, prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo nula de pleno direito a cláusula contratual que eventualmente a autorize", avaliou Sanseverino. Diante do recurso, o ministro entendeu que o conceito de prazo prescricional de três anos não se enquadraria na ação da consumidora. O relator relembrou que as solicitações para devolução de cobranças indevidas de serviços telefônicos têm prazo limite de 10 anos. Ao decidir sobre o pedido, Sanseverino determinou o ressarcimento dos valores referentes às cobranças indevidas para os últimos cinco anos, conforme o pedido da autora na ação. O ministro ainda manteve a decisão do tribunal gaúcho que negou o pedido de indenização por danos morais por entender que os prejuízos sofridos pela consumidora se deram apenas no plano patrimonial. O unilateralismo aqui é caracterizado pela iniciativa da modificação, donde vislumbram-se duas hipóteses: a) aquela onde o contratante que toma a iniciativa de uma modificação se dirige ao outro contratante. Nesta hipótese, tecnicamente, o contratante manifesta uma oferta destinada à encontrar uma aceitação, a fim de que dela nasça uma convenção de modificação de um acordo precedente. O unilateralismo, neste caso, parece não existir, pois haverá então uma convenção de modificação. b) A segunda hipótese é aquela onde o contratante que toma a iniciativa de uma modificação não se dirige ao outro contratante, mas à um terceiro (o juiz, ou uma outra autoridade). A situação parece ainda mais confusa: o unilateralismo caracteriza-se melhor na iniciativa, mas há que se notar que a decisão de modificação não é, no caso, convencional. Todavia, ela também não depende do contratante que tomou a iniciativa, donde a conclusão de que ela não é mais uma "oferta de modificação", mas sim uma "demanda de modificação". No entanto, resta lembrar que a "iniciativa de apenas uma das partes" quanto ao processo de modificação do contrato somente tem sentido na hipótese deste processo não ser realizado através de uma decisão puramente convencional. Caso contrário, ela será então uma modificação falsamente unilateral. Somente devem ser consideradas as hipóteses onde o unilateralismo - que caracteriza a iniciativa -, afete diretamente o processo de modificação do contrato, para que ele não seja perfeitamente convencional. Isso pode existir na presença de uma "oferta de modificação" (1.1) ou de uma "demanda de modificação" (1.2).
O direito francês conhece, em terceiro lugar, as hipóteses de perfeito unilateralismo quanto à iniciativa da modificação, e que se caracteriza também na decisão de modificação de forma perfeita: este é o caso da desespecialização parcial em matéria de arrendamentos mercantis. Este é o caso também do devedor de boa-fé que não cumpre os pormenores contratuais, mas atende o fim do contrato. Eles são os casos perfeitos de modificação do contrato. Se é permitido um julgamento de ordem quantitativa quanto às hipóteses de modificação unilateral do contrato, em cujo bojo possam conviver os casos imperfeitos juntamente com aqueles perfeitos, constata-se que as hipóteses de modificação unilateral do contrato são ainda muito raras no Direito Francês.
ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: A João Neto Advocacia auxilia os consumidores de Telefonia a buscarem a reparação por danos sofridos em razão de alteração unilateral do plano inicialmente contratado pelo consumidor. Caso a empresa de telefonia faça alterações no contrato com consumidor bem como em seus pacotes de serviços, sem a devida comunicação prévia, deve o consumidor buscar o Judiciário para determinar o restabelecimento do plano inicialmente contratado, a João Neto Advocacia presta assessoria aos consumidores que sofrem com cobranças indevidas de planos modificados unilateralmente.
João Neto
Advogado
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FONTES:
stj.jus.br
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