PROBLEMA: Empréstimo de imóvel (comodato), uma das partes não sente mais confiança na negociação.
SOLUÇÃO: Quebra de confiança justifica a rescisão unilateral do contrato.
O comodato é espécie do gênero contratual empréstimo. O empréstimo figura entre as classes de contratos disciplinados pelo atual e, também, pelo futuro Código Civil que tem o início de sua vigência cada vez mais próxima. Empréstimo, latu sensu, significa entregar a alguém algo para ser restituído futuramente em prazo certo ou determinável por meio da ocorrência de algum evento igualmente previsível. Este, divide-se em duas espécies: mútuo - empréstimo de bem fungível; comodato - empréstimo de bem infungível.
O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Coisas fungíveis é a característica de bens que podem ser substituídos por outro da mesma espécie, qualidade ou quantidade (exemplo: dinheiro, mercadorias).Portanto, o comodato é um empréstimo de algo que não pode ser substituído por outro da mesma espécie e qualidade (exemplo: comodato de imóvel ou veículo). O comodato realiza-se com a tradição (entrega) do objeto.
Destaque-se que embora o empréstimo seja gratuito, no comodato o comodatário pode assumir o ônus com manutenção do objeto ou mesmo, em caso de imóvel, pagar o condomínio, taxas e impostos do bem, sem contudo descaracterizar o comodato. O comodato de bens fungíveis ou consumíveis só é admitido quando destinado a ornamentação, como o exemplo de cesta de frutas. Gonçalves (2002:103).O comodato é contrato temporário e não solene, pois a lei não exige forma especial, podendo ser inclusive verbal. Quanto ao prazo pode ser determinado ou indeterminado.
Participam do comodato: o comodante - que dá em empréstimo o bem infungível; o comodatário - que recebe o bem infungível em empréstimo. Sintetizando as características do comodato para nos atermos posteriormente ao enfoque principal de nosso compêndio, o comodato modal, podemos afirmar que tal contrato é gratuito, unilateral, de coisa infungível, destinada a ser posteriormente restituída, ou quando decorrer o prazo contratual ou quando cessar a utilidade para a qual estava destinada. Também é forma simples, ou seja, pode ser feito por escrito ou verbalmente, podendo ser provado por qualquer meio de prova, testemunhal, inclusive. Percebemos ao analisarmos os atributos do comodato, que este possui uma maior complexidade em sua disciplina que o seu "irmão" mútuo. O legislador ao atribuir preceitos mais rígidos para o comodato teve suas razões ao vislumbrar que referido empréstimo é de coisa infungível, o que exigiria uma maior rigidez nas leis disciplinadoras, principalmente, do comodatário. No mútuo, facilmente se resolvem os problemas em relação ao bem em empréstimo, pois este não é entregue em si, mas por outro de igual gênero, quantidade, qualidade e valor.
Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido. Não pode o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.
Como ressaltado anteriormente, característica básica desta espécie de empréstimo denominada comodato, é a gratuidade. Mencionada tal característica, surge um questionamento sobre a possibilidade da existência de alguma obrigação modal imputada ao comodatário, decorrente da relação de comodato estabelecida com o comodante. Vê-se desde logo, que tal hipótese de comodato é de análise bastante delicada, pois como a obrigação modal é aquela onerosa, com encargos, não há como se evitar perceber a contradição que existe em tal modalidade de comodato, que é contrato essencialmente gratuito.O Código Civil de 1916 não faz qualquer menção a esta modalidade de comodato. O Projeto de Código Civil de 1975, recentemente aprovado e pronto para sua entrada em vigor, também não faz nenhuma citação ao comodato modal. Analisando este omissão a normatização desta sub-espécie contratual em questão, não a por onde não se questionar o por que da valorização entre algumas correntes doutrinárias e jurisprudenciais que defendem sua existência prática e validade.
O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.
A restituição da coisa deve ser feita dentro do prazo estabelecido no contrato, sob pena de ser considerado como prática de esbulho (privação ilegítima de alguma coisa em decorrência de ato de violência ou fraude), sujeitando-se o comodatário à ação de reintegração de posse. Não havendo prazo definido no acordo, este será considerado como o necessário ao uso da coisa dada em comodato, a exemplo de uma máquina cedida para a execução de uma obra. Concluída a obra, entende-se que terminou o prazo do comodato. Não cumprindo a devolução do objeto o comodatário, estará ainda sujeito à responsabilidade dos riscos da mora, além de ficar obrigado a pagar o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante, até que seja efetivada a devolução (CC, art. 582). Este suposto aluguel é considerado perdas e danos, não se configurando contrato de locação. Ainda no que se refere à devolução da coisa, estabelece o artigo 581 do código que não pode o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.
Mesmo que um contrato contenha cláusula permitindo rescisão injustificada por qualquer das partes, o rompimento só pode ser feito de forma responsável, com a avaliação dos investimentos promovidos por força do acordo e com base em princípios como a boa-fé e a finalidade social do contrato. Assim entendeu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao determinar que instituições financeiras indenizem uma empresa que, depois de fazer altos investimentos, teve contrato prematuramente rompido. O valor ainda será calculado. Escolhida para cobrar clientes de financiamentos e arrendamentos mercantis, a companhia ampliou vagas de trabalho, mudou a sede para um local maior, ampliou investimentos em serviço de telefonia e até comprou a licença de um software estimado em mais de R$ 100 mil. Onze meses depois, porém, as instituições informaram não ter mais interesse em continuar o acordo. Em primeira instância, as rés foram condenadas a pagar indenização de aproximadamente R$ 900 mil, por danos morais e materiais. Já o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou a sentença, por considerar que o contrato não fixou prazo determinado, podendo ser rescindido por qualquer das partes. Para a corte paulista, as instituições financeiras cumpriram o dever de comunicar o desinteresse no prazo mínimo de cinco dias úteis. A empresa de cobrança recorreu ao STJ, e o ministro Luis Felipe Salomão avaliou que as rés agiram de forma contraditória ao exigir investimentos para a prestação dos serviços e, de forma injustificada, rescindir unilateralmente o contrato. A "vigência brevíssima do contrato", segundo ele, impediu que a contratada tivesse tempo para absorver os investimentos. "O comportamento das recorridas, consistente na exigência de investimentos certos e determinados como condição para a realização da avença, somado ao excelente desempenho das obrigações pela recorrente, que alavancaram os negócios de ambas as partes, gerou legítima expectativa na autora de que aquela não acionaria, naquele momento, e tão cedo, a cláusula contratual que permitia a qualquer dos contratantes a resilição imotivada", escreveu o relator.
Salomão afirmou que o artigo 473 do Código Civil suspende a eficácia da resilição unilateral nas hipóteses em que uma das partes tenha efetuado investimentos consideráveis, confiando na continuidade da relação contratual. Por outro lado, disse não ser juridicamente possível indenizar expectativa de direito, ante a necessidade da comprovação dos prejuízos materiais efetivamente sofridos. De acordo com o ministro, "o dispositivo do Código Civil pretende a indenização, tão somente, do 'interesse positivo', identificado pela doutrina como o interesse no cumprimento do contrato, ou seja, o montante que necessariamente deveria ter sido despendido para a execução do contrato e que, tendo em vista o abrupto desenlace, não se recompôs". "Não se trata, é bom que se diga, da assunção, por uma das partes, dos infortúnios que porventura sejam experimentados pela outra, por quaisquer razões, pela influência de quaisquer elementos", acrescentou Salomão. 'A responsabilidade que se atribui ao contratante [...] diz respeito apenas aos danos experimentados pelo contratante diretamente ligados ao fato de não mais subsistir o que fora avençado, quando as condições da avença apontavam para destino diametralmente diverso." O relator apontou que o STJ, inclusive em julgamento de resilição de contrato pelo poder público, já estabeleceu que a rescisão prematura e imotivada gerou à administração o dever de indenização o contratado.
Apesar de não muito farta a respeito do assunto, a jurisprudência, em mais das vezes, já admitiu a existência do comodato modal, mesmo que de forma não taxativa, como em ementa do Supremo Tribunal Federal a ser estudada posteriormente. Tal oscilação ocorre em decorrência das variadas e quase imprevisíveis situações que surgem no âmbito civil das relações humanas. Passemos ao exame de cada caso.
A quebra de confiança por uma das partes que assinam contrato de comodato justifica a rescisão unilateral do pacto, ainda que não haja prova de urgência para devolução do bem. Outro motivo que garante a quebra do acordo é o período combinado. Assim entendeu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao manter decisão que considerou rescindido o contrato de empréstimo gratuito de um imóvel cedido a um pastor pelos próximos cem anos.O acordo foi quebrado porque, logo após a assinatura do termo, o pastor que assumiu o imóvel trocou de instituição religiosa. Em ação de reintegração de posse, os autores afirmaram que o bem, localizado em Carazinho (RS), foi cedido em comodato ao pastor para que ali fossem instalados serviços de assistência da Igreja do Evangelho Quadrangular.O pedido foi julgado procedente em primeira instância. O magistrado entendeu que o arrependimento do comodato ocorreu após o pastor ingressar em outra instituição religiosa, a Igreja Internacional da Fé, e a promover cultos da nova igreja no local, situação não prevista à época do contrato. Assim, apesar de não haver prova sobre urgência na retomada do bem, o juiz considerou que o comodante foi induzido a erro quando fez o ajuste. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Para os desembargadores gaúchos, os autores assinaram contrato por motivações religiosas, cedendo o imóvel em comodato por cem anos, que, caso fosse mantido, atingiria a própria natureza do comodato e inviabilizaria a retomada do bem. O pastor recorreu argumentando que o contrato com período determinado estabelecido entre as partes só poderia ser rescindido antes do prazo no caso de comprovada necessidade imprevista e urgente do comodante, o que não ficou comprovado nos autos. O relator do recurso na 4ª Turma, ministro Luis Felipe Salomão, esclareceu que o regime de comodato pode ser contratado para vigorar por prazo determinado ou indeterminado. Ponderou ainda que, em qualquer dos casos, o elemento de temporariedade é característico dessa modalidade de empréstimo, cujo regime não pode ser vitalício ou perpétuo. "A fixação de lapso centenário, que supera a expectativa média de vida do ser humano, vai de encontro a tal característica do comodato, não podendo subsistir a cláusula contratual que possui o condão de transmudar a declaração de vontade do comodante em doação destinada à pessoa que nem sequer mantém vínculo com a instituição religiosa que se pretendia beneficiar." Além disso, o ministro lembrou que os comodatos são baseados na relação de confiança entre as partes. Considerou também que a mudança de igreja instalada no imóvel, sem o consentimento do comodante, atingiu a boa-fé do negócio jurídico, constituindo motivo válido para a rescisão contratual. "Nesse contexto, infere-se a regularidade da resilição unilateral do comodato operada mediante denúncia notificada extrajudicialmente ao comodatário (artigo 473 do Código Civil), pois o 'desvio' da finalidade encartada no ato de liberalidade constitui motivo suficiente para deflagrar seu vencimento antecipado e autorizar a incidência da norma disposta na primeira parte do artigo 581 do retro citado codex, sobressaindo, assim, a configuração do esbulho em razão da recusa na restituição da posse do bem, a ensejar a procedência da ação de reintegração", concluiu.
ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: A extinção do comodato ocorre nas seguintes hipóteses: a) em decorrência do término do prazo contratual, ou este não existindo, findo o período de utilização para o qual foi acordado, a exemplo de término da obra. b) pela resolução do contrato feita pelo comodante em decorrência de quebra de cláusula contratual, sobretudo no uso inadequado do bem por parte do comodatário; c) por sentença do juiz, a pedido do comodante, provada a necessidade urgente prevista no artigo 581; d) pela morte do comodatário se a coisa emprestada era para uso exclusivo e pessoal do comodatário, não sendo neste caso repassado aos herdeiros. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei. Em caso de ação judicial, necessário buscar o apoio da advocacia para notificação, distrato, acordo e ajuizamento do processo.
João Neto
Advogado
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FONTES:
jus.com.br
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