PROBLEMA: Banco faz retenção de salário para pagamento de dívida.
SOLUÇÃO: É ilegal a apropriação do salário, depositado em conta corrente, para a satisfação de saldo negativo existente na sua conta, cabendo a esta a satisfação do crédito por meio de cobrança judicial.
O cheque especial, disponibilizado por todas as instituições bancárias do país, nada mais é do que um contrato de empréstimo. Através deste empréstimo, os correntistas de determinado banco conseguem, com facilidade, quantias em dinheiro que variam de acordo com o "limite" disponibilizado pela instituição. Algumas observações merecem destaque. Em primeiro lugar, o cheque especial geralmente é contratado na abertura da conta corrente, através de um contrato de adesão. Como os valores disponibilizados não são, em regra, tão vultuosos, o consumidor consegue firmar o contrato com tranquilidade. Se, por um lado, existe facilidade na disponibilidade do crédito ao cliente, sua contratação é ainda mais simples. Para a utilização do empréstimo, basta o consumidor sacar mais dinheiro do que tem em conta. A partir deste momento, é comum observar seu saldo "negativo" nos caixas eletrônicos. Observe que, a forma com que o empréstimo é realizado e as informações que são passadas ao consumidor a partir de então, levam à falsa ilusão de que o consumidor paga o cheque especial automaticamente a partir do próximo depósito que for realizado em sua conta corrente. Ora, se estou devendo cem reais (-R$100,00), parece lógico que, ao depositar mais cem reais, eu não tenha nada. Tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana, na qual é assegurado ao trabalhador o recebimento de salário proveniente do seu esforço e manutenção da sua subsistência e da sua família, nada há que justifique a prática habitual e lesiva das instituições financeiras em reter a integralidade ou parte significativa do saldo depositado em conta do correntista, para pagamento de créditos rotativos, empréstimos ou limite de cheque especial. A financiadora Crefisa foi condenada mais uma vez pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por cobrar juros abusivos de seus clientes. Dessa vez, a 22ª Câmara de Direito Privado mandou a empresa pagar R$ 10 mil de danos morais e devolver em dobro a quantia cobrada de forma abusiva de um idoso de 86 anos, em situação de "hipossuficiência social". Financeira cobrava 1.000% de juros. Mandou a Crefisa reajustar os contratos para cobrar os juros da média do mercado, calculados mês a mês pelo Banco Central, da data da assinatura dos contratos. O que foi cobrado a mais deverá ser devolvido em dobro. Os juros foram cobrados em três contratos diferentes, todos de empréstimo consignado. Em todos os casos, os juros passaram de 1.000% ao ano. O primeiro de R$ 325, com juros de 1.415% ao ano, transformou-se numa dívida de R$ 1,9 mil em três meses; o segundo, de R$ 1,5 mil, com juros de 1.019% ao ano, chegou a uma dívida de R$ 3,1 mil ao fim das oito parcelas. O último, de R$ 348 pagos em seis parcelas com juros de 1.032% ao ano, transformou-se em débito de R$ 2 mil. Venceu o voto do desembargador Roberto Mac Cracken. Segundo ele, "os juros cobrados são de proporções inimagináveis, desafiando padrões mínimos de razoabilidade e proporcionalidade, e de difícil adimplemento em quaisquer circunstâncias". O desembargador mandou oficiar o Procon de São Paulo, a Defensoria Pública do estado e o Banco Central, para que tomem providências. Macc Cracken anotou novo que a Crefisa ofereceu contratos sucessivos ao mesmo cliente, mesmo ele tendo demonstrado dificuldades financeiras e que não teria como pagar nenhuma das dívidas. "Clara, pois, a conduta imprópria da ora requerida, em ocasionar a possível insolvência de pessoa idosa e, ao que tudo indica, de modestos rendimentos", afirma o desembargador, no voto. Ele divergiu do relator apenas no teor da condenação. O desembargador Hélio Nogueira havia proposto a devolução dos juros excessivos, mas não em dobro, e também havia negado o pedido de indenização por danos morais. Mas ele concordou que ficou "evidente a abusividade nos contratos firmados pelo autor com a ré. Afinal, de curial compreensão, as taxas que lhe são cobradas são mais que o dobro da média das taxas aplicadas à época das contratações". Temos assim que comete ato ilícito a instituição financeira que, sem autorização, bloqueia a totalidade dos rendimentos mensais do correntista para pagamento de dívida. Nestes termos, o ato ilícito em questão poderá ser apto a gerar indenização por danos morais, tendo em vista que a correntista/consumidora está sendo injustamente privada do seu único meio de subsistência, sendo impossibilitado de suprir as suas necessidades básicas e as de sua família, como moradia, alimentação e saúde. Como bem explicado pelo Doutrinador Gonçalves, "Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação" A angústia, a preocupação e os sentimentos proporcionados por situação de injustiça, ilegalidade e impotência são inegáveis. Tudo isto traz alterações de ânimo que devem ser entendidas como dano moral. No entendimento do referido Tribunal, mesmo que haja permissão para débito de uma parcela, resta caracterizado o dano moral decorrente da apropriação do salário pela instituição bancária Sendo o salário indispensável para a manutenção da família, temos ainda que é abusiva cláusula em contrato de abertura de crédito em conta corrente que permite sua retenção para amortização da dívida decorrente do uso do saldo devedor. Assim, mesmo com cláusula contratual permissiva, a apropriação do salário do correntista pelo banco-credor para pagamento de empréstimos é ilícita, quer seja em relação à desproporcionalidade do valor em relação ao salário, quer seja pelo fato da instituição bancária não informar em tempo hábil sobre o desconto, pois viola os artigos 1º, inciso III, e 7º, inciso X, da Constituição Federal, o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, bem como o artigo 833, inciso IV, do CPC e art. 46 do CDC. Acontece que tal sistema de descontos utilizados pelas instituições financeiras fere direitos fundamentais do trabalhador. Isto porque, ao reter valores relativos a verbas salariais, os bancos estão ferindo a própria Constituição Federal que assim dispõe: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] X - a proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa.
A correntista C.B.P. recebia o seu salário através de uma conta corrente no Banrisul, no entanto em um determinado mês o Banco simplesmente se utilizou da totalidade do salário depositado nesta conta para liquidar valores relativos ao cheque especial deixando a cliente sem dinheiro nem mesmo para comer. O que ocorreu é que a correntista estava com o seu cheque especial no negativo, e o banco, quando da entrada do salário na conta corrente utilizou todo o valor do salário para o pagamento desta dívida atrasada de maneira que a cliente não conseguiu se utilizar de sequer um real do seu salário. Estranhando a atitude a cliente entrou em contato com o Banco, mas o Banrisul lhe informou que só lhe liberaria algum dinheiro se ela assinasse uma renegociação de seus contratos. Desesperada, ainda mais porque era dezembro, a cliente procurou o escritório de advocacia Gabriel Garcia Advogados Associados, o qual então ajuizou uma ação buscando a devolução dos valores sacados da conta, e, por mais absurdo que seja, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu que a atitude do banco era legítima. Insatisfeitos com a decisão os advogados do escritório recorreram para o Superior Tribunal de Justiça, onde a decisão do TJRS foi corrigida e a atitude do banco declarada ilegal, conforme as palavras do Ministro relator:- Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo ao judiciário é lícito penhorar salários, não será a instituição privada autorizada a fazê-lo. - Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA' Com a decisão do STJ o banco foi proibido de repetir a atitude ilegal e condenado a devolver os valores que se apropriou
Já faz algum tempo que realizar empréstimo junto às instituições financeiras se tornou prática comum. No contrato ficam combinadas todas as condições de pagamento, com todos os encargos incidentes, tendo o consumidor conhecimento de que o atraso no pagamento mensal da parcela enseja juros de mora. Contudo, por circunstâncias alheias à vontade do consumidor (gastos extras com imprevistos), muitas vezes não tem condições de pagar a parcela do empréstimo até o dia do vencimento, tendo que aguardar o recebimento do seu próximo salário para quitá-la. Quanto ao salário, importante destacar que alguns empregadores optam por depositar o pagamento em uma conta salário ou mesmo em conta corrente pessoal, o que em vez de facilitar muitas vezes prejudica o empregado. Isso porque além de ser credor do contrato de empréstimo, o banco é o mesmo onde o devedor/consumidor possui a conta na qual o salário é depositado, agindo os bancos com arbitrariedade ao reterem integralmente o salário para pagamento da dívida, sem qualquer permissão do consumidor. Realmente a dívida com o banco existe, mas, ainda que devedor, o consumidor/devedor não pode ser privado de todo o seu salário para saldar o empréstimo, ficando sem o indispensável para sua própria sobrevivência.
Observe que o parágrafo segundo do Estatuto Processual abre exceção quanto à penhora destinada ao pagamento de prestação alimentícia, tendo em vista a natureza essencial desta. Sabemos que o credor com contrato inadimplido não pode simplesmente lançar mão dos bens do devedor, ainda que estes estejam em sua posse. Deve, ao contrário, buscar os meios legais para a cobrança da dívida existente. Aliás, o Código Penal tipifica como crime o exercício arbitrário das próprias razões: Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. Pois bem. Existe, de um lado, uma instituição financeira com um contrato válido e inadimplido que retém o salário do trabalhador através de descontos automáticos em sua conta corrente. De outro, temos o consumidor que vê seu salário tomado pelo banco sem prévio aviso em decorrência desta dívida. Resta saber se tal desconto é legal, já que o próprio Código Penal elenca uma exceção na parte final do artigo 345. Reportando-nos ao Código de Defesa do Consumidor constata-se cristalinamente a relação jurídica existente entre autora e Réu, que submete-se amplamente e sem nenhuma restrição às normas e condições elencadas no referido códice.
ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: Se o Banco esta retendo o seu salário para o pagamento de dívidas você deve reunir os documentos que provam esta atitude (extratos bancários onde apareça o depósito do salário e a apropriação do dinheiro por parte do banco para o pagamento desta dívida atrasada, e com eles em mãos buscar um advogado de sua confiança para ajuizar uma ação declaratória da ilegalidade da retenção do salário para o pagamento de dívida atrasada. Nesta ação você poderá requerer a devolução dos valores (até mesmo em dobro) e inclusive danos morais. Nem todos juízes condenam os bancos por danos morais devido a apropriação do salário, por tal é importante que seja realizada audiência de instrução na qual testemunhas relatem todo o sofrimento pelo qual o correntista passou por estar sem o seu salário.
João Neto
Advogado
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FONTES:
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