PROBLEMA: Banco cancela de forma unilateral o meu cartão de crédito após revisão de empréstimos.
SOLUÇÃO: Ausência de notificação do cancelamento fere o CDC, cabível indenização.
Seguro e prático para o consumidor e para o comerciante, o cartão de crédito caiu no gosto do brasileiro. Segundo estimativa da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), este ano o número de cartões em circulação no país deverá atingir a marca de 149 milhões, com faturamento de R$ 26 bilhões. Mas, quando a praticidade de pagamento e controle das contas dá lugar ao transtorno, por erro ou má-fé, o Poder Judiciário é acionado. Nas disputas travadas no Superior Tribunal de Justiça (STJ), na maioria dos casos, a vitória é do consumidor.
A 2ª Turma Recursal do TJDFT negou provimento a recurso do Banco do Brasil e manteve sentença do 1º Juizado Cível Águas Claras, que o condenou a pagar indenização por danos morais a um correntista, ante o cancelamento de cheque especial. A decisão foi unânime. De acordo com os autos, "não se discute haver o banco cancelado o contrato de 'cheque especial' entabulado com a parte autora". O autor, no entanto, afirma que só tomou ciência de que seu crédito estava cancelado no momento em que foi retirar as cártulas de cheques junto ao réu. Em sua defesa, a parte ré argumenta que não é obrigada a conceder crédito a quem possui diversas restrições em seu nome. Ao decidir, o juiz originário explica que o réu não poderia cancelar o limite do cheque especial da parte autora, sem prévia notificação, sob pena de surpreender o autor, como foi o caso. "Assim, deveria a parte ré ter comprovado que comunicou o cliente do cancelamento do cheque especial, com a devida antecedência, nos termos do art. 6º, inciso III, do CDC", acrescenta. Diante disso, o julgador entendeu configurada a má-prestação do serviço, uma vez que "firmada a responsabilidade do banco réu, deve-se presumir o abalo moral sofrido pelo autor, porquanto a retirada do limite do cheque especial sem a prévia notificação do consumidor caracteriza o dano moral na modalidade in re ipsa, gerando insegurança financeira incompatível com o serviço contratado, afrontando direito fundamental do usuário".
Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou tese no sentido de que configura prática abusiva da empresa aérea, por violação direta do Código de Defesa do Consumidor, o cancelamento automático e unilateral do bilhete de retorno em virtude do não comparecimento do passageiro para o trecho de ida. O julgamento pacifica o entendimento sobre o tema nas duas turmas de direito privado do STJ. Em novembro de 2017, a Quarta Turma já havia adotado conclusão no mesmo sentido - à época, a empresa aérea foi condenada a indenizar em R$ 25 mil uma passageira que teve o voo de volta cancelado após não ter se apresentado para embarque no voo de ida. "Com efeito, obrigar o consumidor a adquirir nova passagem aérea para efetuar a viagem no mesmo trecho e hora marcados, a despeito de já ter efetuado o pagamento, configura obrigação abusiva, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo, ainda, incompatível com a boa-fé objetiva que deve reger as relações contratuais (CDC, artigo 51, IV)", afirmou o relator do recurso especial na Terceira Turma, ministro Marco Aurélio Bellizze. Segundo o ministro, a situação também configura a prática de venda casada, pois condiciona o fornecimento do serviço de transporte aéreo de volta à utilização do trecho de ida. Além da restituição dos valores pagos com as passagens de retorno adicionais, o colegiado condenou a empresa aérea ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 5 mil para cada passageiro.
É, no mínimo, constrangedor ter o cartão recusado ao efetuar uma compra. Foi o que sentiu uma consumidora do Espírito Santo em diversas ocasiões em que a compra não apenas foi recusada, como o comerciante foi orientado a reter o cartão. Depois de tentar, sem sucesso, resolver o problema junto à central de atendimento, ela descobriu que estava inscrita em um cadastro denominado "boletim de cancelamento de cartões de crédito", por erro do funcionário da administradora do cartão. A administradora e a Visa do Brasil foram condenadas a pagar, cada uma, R$ 25 mil em indenização à consumidora. Em recurso ao STJ, a administradora alegou cerceamento de defesa e questionou o valor da indenização. Já a Visa alegou ilegitimidade passiva, ou seja, que ela não deveria responder à ação. Seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma deu provimento apenas ao recurso da Visa porque o defeito no serviço foi atribuído exclusivamente à administradora e seu funcionário. Por considerar que o valor da indenização era razoável e que provas adicionais seriam irrelevantes, a Turma negou o recurso da administradora. Dessa forma, a consumidora assegurou uma indenização de R$ 25 mil, tendo em vista a exclusão do processo de uma das empresas condenadas. (Resp 866.359).
No que tange ao pedido de restabelecimento do limite de cheque especial, este restou indeferido, "pois, como antes dito, é faculdade da instituição financeira conceder crédito ao consumidor, sendo que a respectiva análise da viabilidade do negócio e dos riscos dele decorrentes em face da capacidade econômica do consumidor configura lícito exercício regular do direito", afirmou o juiz, que explicou que "o ato ilícito, na hipótese, consistiu apenas na violação ao dever de informação estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, devendo a instituição financeira reparar os prejuízos daí decorrentes". Assim, o magistrado julgou parcialmente procedente o pedido do autor para condenar o Banco do Brasil a pagar-lhe o valor de R$ 3 mil, a título de reparação por danos morais, corrigida monetariamente e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir da prolação da sentença.
No caso analisado pela Terceira Turma, dois clientes adquiriram passagens entre São Paulo e Brasília, pretendendo embarcar no aeroporto de Guarulhos. Por engano, eles acabaram selecionando na reserva o aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), motivo pelo qual tiveram que comprar novas passagens de ida com embarque em Guarulhos. Ao tentar fazer o check-in no retorno, foram informados pela empresa aérea de que não poderiam embarcar, pois suas reservas de volta haviam sido canceladas por causa do no show no momento da ida. Por isso, tiveram que comprar novas passagens. O pedido de indenização por danos morais e materiais foi julgado improcedente em primeiro grau, sentença mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Para o tribunal, o equívoco dos clientes quanto ao aeroporto de partida gerou o cancelamento automático do voo de retorno, não havendo abuso, venda casada ou outras violações ao CDC.
A legitimidade passiva das bandeiras não é absoluta nas ações contra as empresas de cartão de crédito, sendo analisada caso a caso. "Independentemente de manter relação contratual com o autor, não administrar cartões e não proceder ao bloqueio do cartão, as 'bandeiras', de que são exemplos Visa, Mastercard e American Express, concedem o uso de sua marca para a efetivação de serviços, em razão da credibilidade no mercado em que atuam, o que atrai consumidores e gera lucro", entende a ministra Nancy Andrighi. O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece a responsabilidade solidária entre os fornecedores de uma mesma cadeia de serviços e, por essa razão, as bandeiras de cartão de crédito respondem pelos danos decorrentes de má prestação do serviço. No sistema de cartões de crédito, a ministra Nancy observa que há uma clara colaboração entre a instituição financeira, a administradora do cartão e a bandeira, as quais fornecem serviços conjuntamente e de forma coordenada. Para os ministros da Terceira Turma, havendo culpa da administradora do cartão de crédito e uma clara cadeia de fornecimento na qual se inclui a bandeira, sua responsabilidade só é afastada quando demonstrada a inexistência de defeito do serviço, a culpa exclusiva de terceiro ou do próprio consumidor ou eventual quebra de nexo causal do dano. (Resp 1.029.454).
O cancelamento de cartão de crédito sem prévia comunicação ao cliente gera dano moral indenizável. Assim entendeu a juíza Margareth Cristina Becker, do 2º Juizado Especial Cível de Brasília, ao condenar o banco Santander a pagar reparação de R$ 3 mil a um correntista. O autor da ação argumenta que, por causa do cancelamento, não conseguiu adquirir ingressos para a Copa do Mundo. A juíza entendeu que a situação "extrapolou mero descumprimento contratual, pois frustrou a sua expectativa de compra de ingressos". Em sua defesa, o banco alegou que o cliente poderia utilizar outros meios para comprar os ingressos. "E, caso o cartão de crédito do autor tenha sido cancelado, o foi por suspeita de fraude, para a proteção do autor." Margareth Cristina pesou os argumentos do Santander em sua decisão, mas concluiu que, apesar da possibilidade de usar outras formas de pagamento, "o fato é que o consumidor foi tolhido da utilização de seu cartão de crédito, mesmo estando em situação regular e com crédito disponível". "A prova produzida pelo autor atestou que ocorreu o cancelamento do cartão de crédito, de forma unilateral, sem prévia comunicação e desprovido de qualquer justificativa plausível. Aliás, o cancelamento do cartão de crédito do autor não foi sequer negado pelo réu". Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-DF.
O ministro Marco Aurélio Bellizze apontou inicialmente que, entre os diversos mecanismos de proteção ao consumidor trazidos pelo CDC, destaca-se o artigo 51, que estabelece hipóteses de configuração de cláusulas abusivas em contratos de consumo. Além disso, o artigo 39 da lei fixa situações consideradas abusivas, entre elas a proibição da chamada "venda casada" pelo fornecedor. "No caso, a previsão de cancelamento unilateral da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque no trecho de ida (no show), configura prática rechaçada pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo o Poder Judiciário restabelecer o necessário equilíbrio contratual", afirmou o ministro. Além da configuração do abuso, o relator lembrou que a autorização contratual que permite ao fornecedor cancelar o contrato unilateralmente não está disponível para o consumidor, o que implica violação do artigo 51, parágrafo XI, do CDC. Bellizze disse ainda que, embora a aquisição dos bilhetes do tipo "ida e volta" seja mais barata, são realizadas duas compras na operação (uma passagem de ida, outra de volta), tanto que os valores são mais elevados caso comparados à compra de apenas um trecho. "Dessa forma, se o consumidor, por qualquer motivo, não comparecer ao embarque no trecho de ida, deverá a empresa aérea adotar as medidas cabíveis quanto à aplicação de multa ou restrições ao valor do reembolso em relação ao respectivo bilhete, não havendo, porém, qualquer repercussão no trecho de volta, caso o consumidor não opte pelo cancelamento", concluiu o ministro ao condenar a empresa aérea ao pagamento de danos morais e materiais.
Ser cobrado pela assinatura de revista não solicitada é mero aborrecimento? A Terceira Turma do STJ entende ser mais do que isso: trata-se de dano moral. Essa foi a conclusão dos ministros ao julgar um recurso da Editora Globo S/A. No caso, uma consumidora foi abordada em shopping por um representante da editora, que lhe perguntou se tinha um determinado cartão de crédito. Diante da resposta afirmativa, foi informada de que havia ganhado gratuitamente três assinaturas de revistas. Porém, os valores referentes às assinaturas foram debitados na fatura do cartão. Somente após a intervenção de um advogado, ela conseguiu cancelar as assinaturas e ter a devolução do valor debitado. Mesmo assim, os produtos e as cobranças voltaram a ser enviados sem solicitação da consumidora. Depois de ser condenada a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil, a editora recorreu ao STJ, argumentando que não era um caso de dano moral a ser indenizado, mas de mero aborrecimento. O relator, ministro Sidnei Beneti, destacou que o artigo 39, inciso III, do CDC proíbe o envio de qualquer produto ou serviço ao consumidor sem solicitação prévia. Quando isso ocorre, deve ser tido como amostra grátis, sem obrigação de pagamento. Seguindo o voto do relator, a Turma negou o recurso por considerar que os incômodos decorrentes da reiteração de assinaturas de revista não solicitadas é prática abusiva. Para os ministros, esse fato e os incômodos advindos das providências notoriamente difíceis de cancelamento significam "sofrimento moral de monta", principalmente no caso julgado, em que a vítima tinha mais de 80 anos.
O STJ reviu uma indenização por danos morais fixada em R$ 83 mil por entender que o banco agiu dentro da legalidade ao bloquear um cartão por falta de pagamento. Neste caso, o consumidor pagou a fatura atrasada em uma sexta-feira e, nos dois dias úteis seguintes, não conseguiu usar o cartão porque ainda estava bloqueado. O cartão foi liberado na quarta-feira. Os dois dias de bloqueio motivaram a ação por danos morais, julgada improcedente em primeiro grau. Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça do Maranhão declarou abusiva a cláusula do contrato que autorizava a administradora a bloquear o cartão. Além de afastar a abusividade da referida cláusula, por estar de acordo com o artigo 476 do Código Civil, o STJ considerou que o tempo decorrido entre o pagamento da fatura e o desbloqueio do cartão era razoável e estava dentro do prazo previsto em contrato. Por isso, o recurso do banco foi provido para restabelecer a sentença. (Resp 770.053).
ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: o consumidor ao tentar utilizar seu cartão de crédito teve as transações negadas pela instituição financeira, não obstante possuísse limite disponível. Ademais, ao comparecer em sua agência bancária, o consumidor foi informado pela atendente que seus cartões estavam bloqueados e que não haveria a possibilidade de liberação, por ter ajuizado ação contra o Banco. Por sua vez, a instituição financeira afirmou que apenas exerceu a faculdade de resilição utilizando prerrogativa de cláusula do contrato. De fato as partes (fornecedor/banco e consumidor/titular), a qualquer tempo, poderão resilir o contrato, desde que comuniquem previamente a outra parte da sua decisão, o que não ocorreu no caso, pois tal circunstância não restou afastada pela instituição financeira. Eventual revisão de empréstimos, com limitação de descontos em porcentual fixado pelo Poder Judiciário, não configura ato ilícito a ensejar o cancelamento unilateral do cartão de crédito mantido com a casa bancária. Isso porque, embora a limitação de descontos de empréstimos contraídos possa demonstrar restrição na capacidade de tomada de crédito pelo consumidor, dando azo à que a casa bancária possa também restringir os instrumentos de crédito postos à sua disposição, o certo é que essa restrição creditícia não pode se dar ao arrepio das normas de proteção ao consumidor, notadamente a prévia e formal notificação desse desiderato. Assim, forçoso reconhecer que o banco poderá praticar um ilícito ao promover a denúncia unilateral do contrato.
João Neto
Advogado
contato@jnjur.com.br
www.jnjur.com.br
FONTES:
cartaoacredito.com
juristas.com.br
conjur.com.br
consumidor.mppr.mp.br
stj.jus.br
gilbertomelo.com.br