PROBLEMA: Aumento abusivo e ilegal nas mensalidades de plano de saúde.
SOLUÇÃO: Requerer na justiça a exclusão de reajustes anuais com recálculo da mensalidade e restituição dos valores pagos a maior.
Os contratos-padrão de planos de saúde são coletivos e de adesão, o que, muitas vezes, senão, em quase sua totalidade, impõem ao consumidor obrigações desproporcionais, não se podendo falar em mitigação das disposições da Legislação Consumerista. Ressalte-se, outrossim, a necessidade de equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores e igualdade nas contratações, ensejando, uma vez constatado o desequilíbrio contratual (situação de vantagem exagerada ou incompatível com a boa-fé ou a equidade), a concessão da tutela necessária e adequada à proteção dos direitos estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor; e do art. 122 do Código Civil, que veda as disposições contratuais que sujeitem o negócio jurídico ao arbítrio de uma das partes - dispositivo esse aplicável à espécie, nos termos do art. 2º, § 2º, da LINDB e do art. 7º do Código de Defesa do Consumidor.
O mercado de saúde suplementar possui, basicamente, três categorias de planos de assistência à saúde que exigem, por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a adoção de políticas diferenciadas para o reajuste anual das mensalidades. De acordo com a legislação vigente, há regras diferenciadas para o reajuste da mensalidade dos planos contratados por pessoas físicas (planos individuais/familiares), para os planos contratados por pessoas jurídicas (planos coletivos) e para os planos individuais exclusivamente odontológicos. As relações contratuais em curso na atualidade, mormente as relações de consumo, são fortemente influenciadas pela economia de mercado, reflexo do processo de globalização no qual se insere toda a sociedade contemporânea; como o Direito não é subsistema normativo ético isolado dos demais, recebe essas influências que o tornam apto a regular as novas relações que emergem do desenvolvimento da sociedade; nesse quadro, vê-se que economia é uma das maiores influenciadoras no desenvolvimento jurídico. O conceito de sinistralidade é usado pelas operadoras de saúde como balizador na hora do reajuste de preços. A apuração dos últimos 12 meses da receita versus despesa indica se o contrato é financeiramente compensador para as partes, ou se o valor pago na mensalidade é justo e mantém a relação contratual equilibrada, considerando os sinistros ou as despesas geradas com aquele contrato. Quanto mais um grupo usa o plano de saúde, maior a sinistralidade e, consequentemente, maior o reajuste no ano seguinte. A configuração de abuso ocorre quando a cláusula, que consta da maioria dos contratos coletivos empresariais, passa a ser cobrada de forma incorreta para burlar os dispositivos legais previstos no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor e nas regras da própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A lei de planos de saúde1 e o Estatuto do Idoso foram introduzidos no setor de planos de saúde, entre outras normas, para regulamentar a variação das mensalidades pagas a título de prêmio, segundo as faixas etárias dos beneficiários. Essa variação deve ocorrer respeitando-se os limites legais correspondentes à proteção do consumidor, proteção do idoso, à solidariedade intergerencional do sistema de saúde suplementar e buscando o equilíbrio do setor. O aumento das relações entre fornecedores e consumidores advindo da nova economia de mercado tornou perceptível uma situação, não vislumbrada até então, de desequilíbrio entre as partes contratantes, o que acabou por franquear o questionamento de institutos outrora inabaláveis, como o pacta sunt servanda, a qual atualmente se admitem restrições; há juristas, como Nelson Nery Junior, que entendem não existir mais, em um contexto atual de nosso direito, o instituto da pacta sunt servanda "stricto sensu" não existe mais.
No caso dos planos individuais antigos com cobertura médico-hospitalar com ou sem cobertura odontológica, que são aqueles contratados anteriormente a 1999, existe liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (ADIN nº 1931-8 de 03 de setembro de 2003) que permite às operadoras aplicarem a regra de reajuste estabelecida no contrato assinado entre a pessoa física e a operadora. Portanto, para estes planos, o reajuste não depende de autorização prévia da ANS. Todavia, caso a regra de reajuste prevista no contrato não seja clara, o reajuste anual deve estar limitado ao reajuste máximo estipulado pela ANS ou estabelecido em Termo de Compromisso com a Agência. Importante ressaltar que o Colendo Superior Tribunal de Justiça já apreciou a questão relativa à incidência do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre pessoas jurídicas, concluindo que o que deve nortear a aplicação da norma ao caso concreto é a vulnerabilidade da pessoa contratante, de modo a preservar o ideal de garantia de igualdade material entre fornecedores e consumidores.
Com a crescente evolução de uma sociedade que prima pelo consumismo, surgiram os chamados contratos de adesão, largamente utilizados para a aquisição ou utilização de bens, destacando-se os de alienação fiduciária e o arrendamento mercantil, popularmente difundido como leasing. Trata-se de um contrato estandardizado, que dispensa a prévia discussão das bases do negócio instrumento, e onde vem sendo a praxe a inserção de cláusula abusiva onde se elege o foro do estipulante em detrimento do foro do domicílio do consumidor, de forma que, ao atrasar qualquer das prestações avençadas é o consumidor surpreendido com ação judicial promovida pelo estipulante no foro deste, o que significa uma verdadeira negação de acesso à justiça. Como todos os contratos preveem aumento por faixa etária, quando esse é aplicado não deve ser imputada, ainda, a cláusula de sinistralidade. Não se pode cobrar de um cliente dois aumentos anuais. Ou se cobra pela mudança de faixa ou pela sinistralidade. A fragilidade e ilegalidade do conceito é evidente se pensarmos que as operadoras, ao traçarem seus planos de negócio, já calculam uma margem de risco para sua atuação no mercado. De acordo com o artigo 757 do Código Civil, de 2002, não é permitida a transferência do risco que descaracteriza o contrato de seguro. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Os planos coletivos contratados por pessoas físicas junto a operadoras de autogestão sem mantenedores seguem as mesmas regras de reajuste dos planos individuais/familiares. Dessa forma, as autogestões sem mantenedores também precisam obter a autorização da ANS para aplicar o reajuste, desde que esses planos sejam também considerados planos novos. Como as contas não são transparentes e os cálculos das taxas de uso nunca são mostrados, não há a comprovação de quitação das mesmas que justifique a sinistralidade. A medida também se torna nula pelo CDC que trata da ausência de informação clara e adequada no artigo 6º, III (lei 8078/90) e da imposição de obrigação iníqua, excessiva, que cria desvantagem exagerada e permite a variação unilateral do preço - no artigo 51, incisos IV e X. Uma relação contratual tem de ser útil e justa às duas partes, sem privilegiar o interesse de uma, em detrimento da outra. Um dos casos mais comuns é o dos pacientes com câncer. Se em uma apólice existir um paciente de alto custo, que gera a sinistralidade, quando esse paciente morre, as taxas não voltam ao patamar anterior em que não havia o gasto. As taxas de sinistro continuam altas e sendo cobradas, como se aquele paciente ainda estivesse utilizando o remédio caro ou gerando despesas de uma internação na UTI. A mensalidade deveria ser reduzida quando não ocorre o sinistro. Em 2012, a ANS criou a resolução normativa 309, que dispõe sobre o agrupamento de contratos coletivos de planos privados de assistência à saúde para fins de cálculo e aplicação de reajuste. O artigo 3º é claro na questão dos reajustes e seus termos também não têm sido respeitados. Seria recomendável que os planos coletivos fizessem agrupamentos de, no mínimo, dois mil beneficiários para a diminuição dos riscos atuariais. Felizmente, os tribunais de justiça brasileiros vêm acolhendo recursos de empresas que se sentem lesadas com a aplicação abusiva dos reajustes e esse entendimento garante ao consumidor o direito à saúde, sem prejuízo do que foi acordado na assinatura do contrato. O TJ/SP julgou em 17 de abril de 2013 a apelação 0218154-93.2011.8.26.0100, de reajuste de um contrato coletivo com base na sinistralidade. Na súmula 469, o desembargador Moreira Viegas entendeu que aquela disposição contratual colocava o consumidor em desvantagem exagerada ao permitir que o fornecedor variasse o preço de maneira unilateral e que havia ali a violação do artigo 51, incisos IV e X, do CDC. Também reconheceu a abusividade na cláusula contratual que previa a rescisão unilateral imotivada e, ainda, julgou inadmissível o cancelamento injustificado do seguro saúde que coloca os segurados do contrato coletivo em situação de desvantagem - o que é contrário à lei 9.656/98, e ao CDC. A sentença foi mantida e o recurso desprovido. Em outro caso, envolvendo ação civil pública contra a Amil Assistência Médica Internacional, que firmou contratos coletivos por adesão com micro e pequenas empresas, o juiz entendeu parcialmente procedente o pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo, tendo declarado nula a cláusula contratual que estipula em desfavor do consumidor reajuste por sinistralidade. Além disso, impôs a abstenção à demandada de inserir, nos contratos celebrados, disposição estabelecendo reajuste por sinistralidade, sob pena da incidência de multa, com fundamento no artigo 461, parágrafo 4º, do CPC, no valor de R$ 5 mil, por descumprimento e, ainda, a revisão da contraprestação que lhe é devida, com a incidência somente dos índices da ANS, sem prejuízo dos reajustes por mudança de faixa etária.
Foram trazidos avanços ao tratamento da proteção contratual do consumidor, tais como: os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores se não lhes foi dada a possibilidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo ou se os respectivos instrumentos foram redigidos de modo a dificultara compreensão de seu sentido e alcance; é possível a inversão do ônus da prova em favor do consumidor; como regra básica, no caso de dúvida as cláusulas contratuais gerais devem ser interpretadas em favor do aderente; dentro do período de reflexão de sete dias, pode o aderente exercer o direito de arrependimento, no caso de o contrato de consumo ter sido concluído fora do estabelecimento comercial, tendo direito à devolução imediata das quantias que eventualmente pagou, corrigidas monetariamente pelos índices oficiais; há penalização se o termo de garantia não for adequadamente preenchido e entregue ao consumidor; todo produto ou serviço deve ser obrigatoriamente acompanhado do manual de instalação e instrução sobre sua adequada utilização, redigido em português, em linguagem clara e acessível; apresenta, em seu artigo 51, uma lista exemplificativa das chamadas cláusulas abusivas, que são aquelas cláusulas contratuais não negociadas individualmente e que, frente as exigências da boa-fé, causam em detrimento do consumidor um desequilíbrio importante entre os direitos e obrigações das partes. A previsão de cláusulas abusivas pelo CDC, portanto, não é exaustiva, sendo o Secretário Nacional de Direito Econômico autorizado, pelo art. 58 do Decreto nº 2.181/97 (regula o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor), autorizado a editar anualmente um rol exemplificativo do que são tidas por cláusulas abusivas. Assim sendo, é nula a cláusula contratual em plano ou seguro de saúde, que estipula o reajuste da prestação, em razão do aumento de faixa etária após 60 (sessenta) anos, cabendo ao consumidor a restituição dos valores pagos a maior, de forma simples, observada a prescrição trienal. Os contratos abrangidos são apenas contratos de planos de saúde da modalidade individual ou familiar; e a suspensão dos casos análogos não impede a concessão de tutelas provisórias de urgência, se verificados os requisitos legais, a exemplo da aferição da concreta abusividade do aumento da mensalidade.
ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL: As cláusulas abusivas são aquelas que, inseridas num contrato, possam contaminar o necessário equilíbrio ou possam, se utilizadas, causar uma lesão contratual à parte a quem desfavoreçam. Assim, há que se entender cláusulas abusivas como sendo aquelas que estabelecem obrigações iníquas, acarretando desequilíbrio contratual entre as partes e ferindo os princípios da boa-fé e da equidade. Conforme disposto no artigo supramencionado, tais cláusulas são nulas de pleno direito, e não operam efeitos, sendo que a nulidade de qualquer cláusula considerada abusiva não invalida o contrato, exceto quando sua ausência acarretar ônus excessivo a qualquer das partes; assim, somente a cláusula abusiva é nula: as demais cláusulas permanecem válidas, e subsiste o contrato, desde que se averigue o justo equilíbrio entre as partes. A proteção do consumidor surge pela determinação de se cumprir a igualdade contratual, independentemente da posição ou condição de cada parte envolvida. É o tratar de forma desigual as partes no momento em que elas se desigualam, e igualmente quando se igualam, ou seja, tratar de forma desigual os desiguais afim de que se tornem iguais.
João Neto
Advogado
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FONTES:
migalhas.com.br
ambitojuridico.com.br
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